sábado, 4 de janeiro de 2014

Libélulas e Donzelinhas

Outro inseto que não raramente é encontrado como invasor em aquários é a ninfa de libélula. Por possuir hábitos sorrateiros, com um eficiente mimetismo, e permanecendo oculto durante a maior parte do dia, muitas vezes só são identificados depois de mais crescidos, com o risco de predar pequenos peixes e invertebrados do tanque.
São introduzidos inadvertidamente no aquário, geralmente junto a plantas ornamentais sem tratamento preventivo adequado. Existem alguns relatos de desovas diretamente no aquário, mas são bem raros.
Neste artigo trataremos das ninfas de Libélula, e também de alguns outros insetos aquáticos que podem ser confundidos, as Donzelinhas, Efêmeras e Perlas. Destes, os únicos realmente preocupantes são as Libélulas, vorazes predadoras, capazes de dizimar uma grande população de peixes e outros animais pequenos. Donzelinhas também são predadoras, mas geralmente são pequenas, com um risco muito menor.
A identificação da ninfa de Libélula é relativamente simples, com seu corpo atarracado e sem filamentos na cauda. A diferenciação dos outros três insetos é mais sutil, pode ser feita pelo número de prolongamentos na extremidade da cauda (três para Donzelinhas e Efêmeras, duas para Perlas), e seu aspecto (lisa nas Perlas, com aspecto de penas nas Donzelinhas, variável nas Efêmeras). A presença de brânquias laterais, comprimento das antenas e o aspecto dos olhos também são sinais auxiliares.
Apesar de geralmente serem consideradas pragas, alguns aquaristas criam deliberadamente estes animais em aquários, especialmente para poder observar sua metamorfose no inseto adulto. Sugere-se um aquário dedicado, sem outros animais (exceto presas para alimentação). É importante deixar um espaço acima da superfície da água para que o inseto possa emergir para a metamorfose. Para tal, são interessantes também a presença de galhos e outros objetos semi-emersos. O ideal é que o tanque não seja coberto, é muito comum os insetos voadores recém-transformados tentarem voar, cair na água e morrerem. A transformação se dá de madrugada, algumas horas antes do sol nascer. Por isso, é preciso uma boa dose de sorte para poder acompanhar o processo. Mas é uma experiência única, fascinante e maravilhosa.   

 

Libélulas (insetos da ordem Odonata, subordem Epiprocta) 

A ordem Odonata é dividida em duas sub-ordens, Zygoptera (donzelinhas) e Epiprocta (libélulas, até há muito pouco tempo atrás classificada comoAnisoptera). Existem cerca de 5000 odonatas no mundo, e cerca de 250 espécies descritas no estado de São Paulo. Todas as odonatas são predadores, tanto suas ninfas quanto os insetos adultos. Todos os adultos são alados. As ninfas são aquáticas, exceto por algumas poucas espécies com ninfas terrestres. 

Tamanho: até 5 cm

Identificação: Animais com as seis patas bem visíveis, grandes olhos, corpo achatado e relativamente curto, vivem no substrato. Corpo menos alongado do que ninfas de donzelinhas. Ao contrário destas, não possuem guelras externas na extremidade do abdômen. Ao invés, possuem espículas e orifícios no abdômen que levam a uma câmara branquial interna. Antenas curtas, quase imperceptíveis.

Habitat e ciclo de vida: Vivem em águas paradas ou com correnteza. Como muitos outros insetos, são bioindicadores de qualidade de água. Ovos são depositados na água pelos adultos voadores. Algumas espécies têm ovos envoltos em material gelatinoso, formando uma fita. À medida que se desenvolvem, realizam ecdises (troca de exoesqueleto), passando por 10 a 12 estágios de ninfa. O tempo de desenvolvimento da ninfa é bastante variável. Chegado o momento, a ninfa sai da água, procura um substrato sólido e o adulto emerge, geralmente de madrugada. 

Alimentação e respiração: Invertebrados, pequenos peixes e girinos, geralmente ficam imóveis e capturam alimentos que se aproximam. Capturam suas presas usando uma mandíbula retrátil, na realidade um ‘labium’ que recobre a porção ventral da cabeça. Trocas gasosas na câmara branquial interna, não necessitam vir à superfície para respirar. 

Perigo para humanos ou peixes: Inofensivo para humanos. Voraz predador, pode se alimentar de alevinos e peixes pequenos. Por outro lado, é predado por peixes maiores. 

Curiosidades:
  • A língua assassina do Alien, personagem da série de filmes desenhada pelo suíço H.R.Giger foi baseada na boca de uma ninfa de libélula.
  •   Apesar de geralmente rastejarem no substrato, podem nadar rapidamente expulsando água da sua câmara retal, um mecanismo semelhante a uma propulsão a jato.
  •   Existem registros de libélulas voando a velocidades de até 56 km/h.
  •   Uma espécie européia realiza migrações em massa, cobrindo distâncias de até 800 km, da Espanha à Irlanda.
  •   Insetos com metamorfose incompleta têm suas fases imaturas chamadas de ninfas (e não larvas). Ninfas aquáticas (como das libélulas) podem ser chamadas também de Náiades, que são as ninfas aquáticas da mitologia grega.
  •   Existe uma espécie sueca que passa 20 anos como ninfa, e a forma adulta vive somente alguns dias.
  •   "Libélula" também tem uma etimologia interessante, é o diminutivo de libra, a balança, uma alusão à sua forma de voar, pairando no ar.

Pequena Libélula fotografada em Mangal das Garças, Belém – PA. Foto de Cinthia Emerich.


Ninfa de libélula da família Libellulidae, possivelmente Pantala flavescens, cerca de 3cm, coletado em Vinhedo, SP. Fotos de Walther Ishikawa.



Ninfa de libélula da família Aeshnidae, talvez um Anax, cerca de 3cm, fotografado em Gravataí, RS. Na seunda imagem ventral pode ser visto o lábio achatado, característico desta família. Fotos de Walther Ishikawa.

Ninfa de Brachymesia furcata, cerca de 1,6cm, coletado em Vinhedo, SP. Foto de Walther Ishikawa.


Donzelinhas (insetos da ordem Odonata, subordem Zygoptera) 

No Brasil todos os insetos da ordem Odonata são chamados popularmente de “libélulas”, apesar de que em vários outros países é feita a distinção entre as duas subordens, inclusive em Portugal. Deixamos aqui a denominação de Donzelinhas (em inglês “Damselfly”, em oposição a “Dragonfly” para as libélulas verdadeiras), mais utilizada em Portugal, porque são dois grupos com características próprias. A distinção dos adultos é bem simples, enquanto as libélulas verdadeiras mostram grandes olhos que têm contato entre si, corpo mais robusto e pousam com as asas abertas, as donzelinhas são mais esbeltas, têm olhos grandes, mas afastados, e pousam com asas fechadas, como uma borboleta. Geralmente são insetos menores do que os do outro grupo. Também são predadores, tanto suas ninfas quanto os insetos adultos. 

Tamanho: até 3,5 cm

Identificação: Lembram as ninfas de libélulas, mas têm corpo mais alongado e três guelras externas na extremidade do abdômen, parecidas com penas. 

Habitat e ciclo de vida: Muito semelhante à das libélulas. 

Alimentação e respiração: Também muito semelhante à das libélulas. Também possuem a mandíbula retrátil. 

Perigo para humanos ou peixes: Inofensivo para humanos. Pode se alimentar de alevinos e peixes pequenos, mas o risco é menor do que ninfas de libélulas, pelo seu reduzido tamanho. É predado por peixes maiores. 

Curiosidades:
  • Por não possuírem a câmara branquial interna, não conseguem a “propulsão a jato” das ninfas de libélulas. Ao invés, usam as guelras caudais para nadar, semelhante à nadadeira caudal de um peixe.

Momento mágico: Fêmea adulta de Ischnura fluviatilis, submersa, depositando ovos numa planta. Foto de Walther Ishikawa.


Ninfa de Donzelinha, a segunda imagem mostra bem o “labium” retrátil. Na última imagem, após capturar um alevino. Fotos de Felipe Aoki.

Ninfa de donzelinha Ischnura fluviatilis, cerca de 2cm, coletado em Vinhedo, SP. Fotos de Walther Ishikawa.

Donzelinha no momento da metamorfose no inseto adulto. Foto de Rodrigo Borçato.


Ninfa de donzelinha em um paludário. Foto de Walther Ishikawa. 


Efêmeras (insetos da ordem Ephemeroptera) 

Em inglês são chamadas de "Mayfly", porque no hemisfério norte se torna adultas em grande número na Primavera, no mês de Maio. Existem cerca de 2200 espécies no mundo. São os insetos alados mais primitivos que existem, registros fósseis datam do período Carbonífero Tardio, há cerca de 300 milhões de anos. As ninfas são aquáticas, e os adultos insetos alados. 

Tamanho: até 3 cm

Identificação: Animais com as seis patas bem visíveis, corpo achatado e alongado, vivem no substrato. Possuem três cerdas longas na extremidade do abdômen, e guelras filamentosas ou achatadas na região lateral do abdômen. Dois grandes olhos compostos numa cabeça arredondada, partes bucais bem proeminentes. Cabeça menor e menos larga do que as donzelinhas. Antenas longas e finas. Podem ser confundidos com ninfas de Donzelinhas, que também têm três estruturas longas no final do abdômen.

Habitat e ciclo de vida: Vivem em grande variedade de corpos d´água, sem ou com correnteza. São fortes bioindicadores de qualidade de água. Ovos são depositados na água pelos adultos voadores. Chegado o momento, a ninfa se dirige à superfície, e o adulto emerge, geralmente de madrugada. Porém, este emerge numa forma imatura, chamada "sub-imago", já alada, que realiza uma última muda para a forma definitiva, com maturidade sexual. É o único inseto cuja forma alada realiza ecdise. Costumam se tornar adultos simultaneamente, formando grandes aglomerações. Cerca de 50 espécies se reproduzem por partenogênese. Ninfas geralmente rastejam no fundo, mas podem nadar utilizando as cerdas abdominais. 

Alimentação e respiração: Se alimentam de detritos e algas. Algumas poucas espécies são predadores. Adultos não têm boca ou sistema digestório. Trocas gasosas cutâneas, ou nas brânquias externas. Alguns se posicionam na correnteza, para receber oxigenação do fluxo de água. Não gosta de águas turvas, o que dificulta a troca gasosa nas suas brânquias. 

Perigo para humanos ou peixes: Inofensivo para humanos e peixes. É predado por peixes maiores. 

Curiosidades:
  • O nome "Efêmera" é justificado, possuem vida bem curta na forma adulta, geralmente alguns dias. Existem espécies cujas fêmeas vivem somente alguns minutos.
  •   O primeiro registro escrito de Efêmeras foi feito por Aristóteles (384~322 a.C.). Ele testemunhou a emergência de adultos de corpos d´água e teceu comentários sobre sua curta vida.
  •   Podem ser bastante abundantes, existem relatos de até 10.000 insetos por metro quadrado. Perto do Rio Mississippi, nos Estados Unidos, chegam a causar problemas deixando o tráfego de veículos perigoso, devido ao grande volume de animais mortos nas rodovias, deixando-as escorregadias. No Lago Erie (região dos Grandes Lagos), são tão numerosos que são detectados em radares meteorológicos.
  Na região do Rio Sepik, na Papua Nova Guiné, são coletados em grandes quantidades para consumo humano.


Agradecimentos aos colegas zoólogos André Benedito e Luís Adriano Funez, e ao aquarista Rodrigo Borçato, pela cessão das fotos para o artigo.

fonte: planeta invertebrados 

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